De tudo isso resultou para mim uma seleção e um sistema de preferências. Por causa dele, não pensava em amar um intelectual. Tampouco me sentia atraído por alguém do mesmo sexo que usasse óculos. Por sua causa, comecei a amar a força, a impressão que causa o sangue fluindo em abundância, a ignorância, os gestos rudes, a fala descuidada, a melancolia selvagem, inerente à carne, que não se deixa carcomer pelo intelecto...
Providenciaram uma mortalha, trouxeram meus brinquedos prediletos, juntaram toda a família. Depois de cerca de uma hora, viram-me urinar. O irmão de minha mãe, que era médico, disse: “Ele vai viver!”. Aquilo, observou, era prova de que o coração estava funcionando. Dali a pouco tornei a urinar. Uma tímida luz de vida ressuscitava em minha face.
Lembro-me com clareza de que havia dois motivos importantes para esse meu desejo. Um deles era sua calça justa azul-marinho; o outro, sua profissão. A primeira delineava com perfeição seu corpo da cintura para baixo, movendo-se com agilidade, parecendo vir em minha direção. Passei a adorar de forma inexplicável essa vestimenta, embora não entendesse por quê.
Entregaram-me o que poderia chamar de cardápio completo das inquietudes de minha vida antes ainda que eu pudesse lê-lo.
Como sempre acontece, porém, a revolta das massas ignorantes não vai além da imitação barata. Na medida do possível, querem se esquivar dos perigos daí resultantes e saborear apenas o lado doce de sua rebelião: da rebeldia de Omi, imitamos apenas as meias chamativas. Tampouco eu sou exceção à regra.
Só ele, porém, “preenchia” por completo o uniforme austero da escola, que lembrava o de um oficial da Marinha, transmitindo uma sensação de solidez, uma espécie de sensualidade...